Seminário Sistemático

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“O objeto reticente”

VERGO, Peter. The Reticent Object. P. 41/59. In: VERGO, Peter (org). The New Museology. London: Reaction Books, 1989.

Adrienne Firmo e Anna Maria Rahme

 

*Este ensaio foi apresentado na conferência Por que exposições?, no V & A Museum de Londres, em nov. 1987, com patrocínio do Subcomitê de Museus e Galerias da Associação de Historiadores da Arte.

Contextualização:

  1. DESVALLÉES, André e MAIRESSE, François (edt.). Conceitos-chave de Museologia. São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Secretaria do Estado da Cultura, 2013.
  2. DUARTE, Alice. Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. In: Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, v.6, n. 1. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2013. P. 99-127.

– CRONOLOGIA DO MOVIMENTO

O artigo Nova Museologia escrito Alice Duarte traça a cronologia da criação do movimento Nova Museologia, “um movimento de larga abrangência teórica e metodológica” responsável pela expansão dos estudos museológicos, com articulação de Museu e Academia, correlacionando perspectivas teórico críticas. (Duarte, 2013, p. 110)

1983: XIII Conferência Geral do ICOM condena as formas não institucionais de museu

1984: Declaração para reconhecimento universal das novas formas museais, pelos membros do ICOFOM, Quebec

1985: Concretização do Mouvement Internationale pour la Nouvelle Museologie – MINOM – com filiação do ICOM, Lisboa

1989: Publicação do livro The New Museology, por Peter Vergo, Londres

Duarte situa a Nova Museologia, não como movimento isolado ou independente, mas como um desenvolvimento natural surgido dos debates e mudanças implantadas

a partir do fim da década de 1960 concretiza-se através da eleição do museu e suas práticas como campo de reflexão teórica e epistemológica. Estes desenvolvimentos cruzam-se, em primeiro lugar, com a emergência de uma nova postura epistemológica a que genericamente é lícito chamar “pós-estruturalista” ou “pós-moderna”. (Duarte, 2013, p. 105)

E desde os anos 1970, quando cresce “a conscientização da necessidade de alargar o espaço representacional do museu”(Duarte, 2013, p. 106), a etnologia – estudo dos objetos por sua voz própria – é introduzida, apartando, mas não por muito tempo, dos museus a antropologia – estudo dos objetos por sua polissemia, dependendo do contexto expositivo e interpretativo. (Duarte, 2013, p. 109). A renovação museológica passa, então por uma nova perspectiva interpretativa, que, nos anos de 1980, será conhecida como Nova Museologia.

 

– INTRODUÇÃO:

O título do texto sugere um estudo sobre a omissão ou simulação do próprio objeto, promovida pelos curadores no contexto da exposição. Nele, Peter Vergo declara estar interessado na “exibição de objetos, artefatos e obras de arte tanto dentro e fora do contexto de museu, sua apresentação pública: em outras palavras,

na realização de exposições” (p. 42). O autor destaca alguns pontos que julga fundamentais para o sucesso ou falha de uma

mostra temporária ou a exposição do Museu reforçando a experiência e tornando-se mais vivas, mais memoráveis, mais duradouras, não em termos de um padrão de ‘objectivo’ imposto de fora, mas de acordo com critérios que a exposição em si e os responsáveis por sua montagem devem propor. A conceber uma melhor metodologia para a definição tais critérios é certamente uma das tarefas mais urgentes da nova museologia. (Vergo, 1989, p.59)

Desde a primeira frase (p. 41): “Museus existem a fim de adquirir, resguardar, conservar e exibir objetos, artefatos e obras de arte de vários tipos”, se comparada aos Conceitos-chave a respeito de Museu como “instituição a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento” distinguindo três funções, a partir de 1980: “a preservação (que compreende aquisição, conservação e gestão das coleções), a pesquisa e a comunicação”. Afirmando, ainda, que “o museu pode ser apreendido como um ‘lugar de memória’ (Nora, 1984-87,Pina, 2003), um fenômeno   (Sheiner, 2007), englobando as instituições, os lugares diversos ou os territórios, as experiências ou mesmo os espaços materiais” (Desvallés e Mairesse, 2013, p.65). Definição que pode ser complementada com as de Vergo: “como novos tipos de museus: museus da imagem em movimento, museus sem paredes, museus – mesmo – sem objetos”

Também, em relação á afirmação de Vergo sobre as coleções dos museus, de que “praticamente todos os museus estão preocupados em uma forma ou outra com a exibição de suas coleções – ou talvez um deve dizer com mais precisão, de parte de suas coleções” (p.42) papel que está previsto nas Normas do Código de Ética do ICOM, 2006, seja ela uma coleção material ou imaterial : “A missão de um museu é de adquirir, preservar e valorizar suas coleções com o objetivo de contribuir para a salvaguarda do patrimônio natural, cultural e científico”. (Desvallés e Mairesse, 2013, p.42)

 

Peter Vergo passa, em seguida, a examinar questões sobre a “aceitação de exposições como um fato de vida cultural”; “os meios e recursos criados”; “as circunstâncias ou razões” para sua criação; quais as “tipologias escolhidas pelas instituições privadas”; o que determina as “escolhas dos programas” e a “seleção de determinados mteriais no contexto de uma dada exposição”. Propõe, então examinar as relações entre

a instituição e seus curadores, seus financiadores e patrocinadores; entre o Museu (ou galeria) e seu público; entre o público e os objetos em exposição; entre o pessoal de conservação e curadores, por um lado, e importados (refiro-me especialmente encomendadas) curadores (por vezes referido como ‘curadores convidados’ – geralmente estudiosos ou especialistas em algum campo particular) do outro; entre o declarado ou condições tácitas do instutition e as ambições e entusiasmos individuais do estudioso ou curador ou designer. (Vergo, 1989, p. 44)

Aponta que a realização de uma exposição deve passar por sua adequação da proposta a um “contexto ou estrutura de um programa contínuo”. Decisões que serão afetadas pelas “considerações políticas ou financeiras ou curatoriais e, que por sua vez, terá um efeito de ‘Knock-on’ em influenciar o carácter específico e o conteúdo da exposição”. (p. 45)

 

– CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO

O ‘contexto’ da exposição confere-lhes um ‘significado’ para além de qualquer entendimento que já possuem como artefatos culturais ou objetos de contemplação estética. Ao serem incorporadas a uma exposição, tornam-se não apenas obras de arte ou símbolos de uma certa cultura ou sociedade, mas elementos de uma narrativa, formando parte de um segmento de discurso que é em si um elemento em uma rede mais complexa de significados. (Vergo, 1989, p. 46)

 

Conceito-chave:

“a ‘comunicação’ “do objeto e dos fenômenos observáveis” faz parte de um sistema de comunicações não verbais , que pode se utilizar de diferentes técnicas para tornar o visitante mais ativo. Porém, constata que a comunicação interativa é rara, mesmo quanto se aplicam alguns métodos sugeridos, como a remoção das legendas ou contextos narrativos para que o público construa sua própria “lógica de percurso” ou até a implementação de “atrações com caráter lúdico”.

Com certeza, a implementação de um sistema de comunicação eficiente “não pode prescindir da colaboração de pesquisadores sérios”, da publicação de um “catálogo contendo, além das notas detalhadas sobre a exposição, uma sucessão de ensaios sobre vários aspectos do assunto” e até mesmo, “introdução geral explicando o planejamento da exposição e a configuração cenográfica total”. (Vergo, 1989, p. 46/47)

 

EXPOSIÇÃO E OBJETIVOS EDUCACIONAIS

Como esse objectivo é melhor conseguido? Pelo nível de informação ou explicação adequada ou desejável no contexto de uma determinada exposição.

Conceitos-chave –

A educação museal pode ser entendida como um conjunto de valores, de conceitos, de saberes e de práticas que têm como fim o desenvolvimento do visitante; …apoia-se notadamente sobre a pedagogia, o desenvolvimento, o florecimento e a aprendizagem de novos saberes. (Desvallés e Mairesse, 2013, p. 38)

Para a transmissão: animação / ação cultural / mediação

A aprendizagem é definida como “um ato de percepção, de interação e de integração de um objeto por um sujeito” o que conduz a uma “aquisição de conhecimentos ou o desenvolvimento de habilidades ou atitude. (Allard e Boucher, 1998, p.39)

 

– SOBRE A “ELOQUÊNCIA” DOS OBJETOS E SUA RECEPÇÃO

Deixando a obra de arte falar por si, invariavelmente, eles falam muito pouco; e um esforço por vezes é necessário por parte do historiador, o historiador de arte, o crítico ou o visualizador (fruidor?) para persuadi-los. Mais séria ainda, a visão estética assume que nossa percepção visual é um processo de alguma forma coerente, objetivo, como se tudo o que é necessário é ‘ver corretamente’, sem se dar conta de quão complicado e problemático é o processo de ‘ver’, nem como é fácil de interpretar erroneamente os tipos mais elementares da experiência visual. (Vergo, 1989, p. 49)

 

PÚBLICO-ALVO / NÚMERO DE VISITANTES

Uma causa evidente de nossas dificuldades, na minha opinião, é o fato de que a maioria curadores pensam muito sobre o conteúdo e apresentação de sua exposição e muito pouco sobre seu público-alvo. Embora tenha havido inúmeros inquéritos sobre os números de visitantes exposições e museus, incluindo a identificação de suas origens sociais, muito pouco tem sido feito para determinar o conjunto mental, ou mesmo o expectativas, de público. (Vergo, 1989, p. 52)

Conceito-chave:

Público como adjetivo: traduz relação jurídica entreo museu e o povo do território sobre o qual ele se situa – o que caracteriza o museu público (p.86)

Público como substantivo: designa o conjunto de usuários do museu (p. 87), mas também é o conjunto da população para a qual se dirige.

A partir dos anos 1980: “virada em direção aos públicos” da ação museal, para mostrar a importância crescente da frequência e da tomada de consciência das necessidades e anseios dos visitantes. (p.88)

… na questão dos museus comunitários ou ecomuseus, o público é entendido como toda a população no qual eles se inscrevem. A população é o suporte do território e, no caso do ecomuseu, ela se torna o principal ator e não apenas o alvo do estabelecimento. (Desvallés e Mairesse, 2013, p. 88)

 

SOBRE A INFORMAÇÃO, LITERÁRIA OU NÃO, DAS EXPOSIÇÕES

Em uma exposição realizada na Áustria em 1984, dedicada à vida e os tempos do Imperador Franz Joseph, um dos quartos incluindo material relativo à família Imperial …incluindo uma árvore genealógica belamente impressa, com retratos dos principais membros da casa de Habsburgo. Há um certo número desses tipos de material predominantemente não-verbal que se pode usar, que vão desde mapas e diagramas, os acontecimentos de vida, ilustrações e fotografias, slides e filmes mostrando, por exemplo, um instrumento em uso, ao contrário de uma vitrine, ou as técnicas empregadas na criação dos objetos ou obras de arte na mostra. (Vergo, 1989, p. 52)

 

…entre as pinturas exibidas na exposição ‘Sonhos de uma Noite de Verão’ …pelo artista finlandês Akseli Gallen-Kallela, preferiu diferenciar seu trabalho pela influência simbolista e evidentemente o produto de um intenso interesse na arte popular finlandesa. Quão fácil seria justapor estas pinturas com, talvez, apenas um tipo de traje mostrado anteriormente na Exposição do Museu da Humanidade, ‘Folk Costumes of Finnish Karelia’. Vivas e atraentes em si mesmo, facilmente disponível, proporcionando um óbvio ponto de comparação com algumas peças do vestuário representado nas pinturas, o traje teria ajudado incomensuravelmente a compreensão do espectador curioso e não-especialista, por proporcionar um simples ponto de referência visual. Bastaria uma legenda de duas linhas… (Vergo, 1989, p. 53-4)

Neste caso, as obras exibidas na verdade teriam ‘falado por si mesmas”

o objeto reticente persuadido pela primeira vez em loquacidade pelo

esforços do selecionador e do designer.

…material criado pelo designer, tal como como a seleção atualizada de objetos, que ‘conta a história’ e traça a ‘narrativa’ em seus menores detalhes: a escolha das etiquetas da mostra, de materiais e cores para revestimentos de parede, o projeto do catálogo, do cartaz, anúncios relacionados e material publicitário. (Vergo, 1989, p. 54)

E, também, “porque, claro, há algumas histórias possíveis para serem contadas, dependendo da natureza não apenas do material, mas também sobre os objectivos específicos e as ambições dos organizadores”.

…podemos examinar o conteúdo do notória exposição ‘Arte degenerada’ organizada pelos nazistas e mostrado em Munique e outras cidades alemãs durante o curso de 1937-8, com algumas das melhores pinturas estrangeiras e alemã do século XX, incluindo o trabalho de praticamente todos os principais expressionistas: Nolde, Heckel, Schmidt-Rottluff, Pechstein. (Vergo, 1989, p. 54)

Não só o título dado à exposição foi uma referência específica à ‘demolição   dos valores artísticos’: o cartaz justapondo sem mais comentários, também, uma máscara, como uma cabeça ‘expressionista’, imediatamente atrás, um sombrio mas inconfundivel semblante semita, em ligeiro soslaio. Mesmo o layout da exposição, a divisão do material por seção, ambos deliberadamente didáticos e temáticos. Os trabalhos foram dispostos, não cronologicamente, nem pelo artista, pela escola ou por qualquer princípio de arte-histórico conhecido. Em vez disso, pinturas de artistas diferentes foram agrupadas de acordo com ‘tendências’ definidas nos termos dos organizadores em perversa crença política e estética: a distorção intencional de cor e forma, o enfraquecimento de credos religiosos, incitação de anarquia política e a ‘luta de classes’, uma seção que comparou o trabalho dos ‘degenerados’ aos ‘idiotas e cretinos’, e uma última seção intitulada ‘Loucura Absoluta’, que compreende um levantamento da maioria dos principais movimentos ‘modernos’, do Dadaísmo e o Construtivismo ao Surrealismo. (Vergo, 1989, p. 55)

Mas tal como as nossas exposições com finalidade educativa ou didática levam a decisões, tais subjacentes atitudes e pressupostos permanecem uma fala, uma articulação, não menos importante, porque provavelmente pensamos pouco sobre eles, dependendo de ‘indicadores de desempenho’, tais como os números de visitantes, o caixa e a extensão do patrocínio comercial para calcular o sucesso das exposições. (Vergo, 1989, p. 55)

 

…eu tenho usado repetidamente as palavras ‘educativas’, ‘instrutivas’ ou ‘didáticas’ para descrever os objectivos da curadoria; para que o freqüentador de exposições ou crítico alegue: ‘Por que educação?‘.

(Vergo, 1989, p. 58)

…Paul Greenhalgh …no estudo das Grandes Exposições, Expositions Universais e Feiras Mundiais tiveram característica persistente da vida cultural e política durante a última metade do século XIX e os primeiros anos do Século XX, enquanto setores da educação e setores mais amplos da população mantiveram o significativo objetivo da construção de tal exposição no período em questão, no entretenimento em geral verificou-se um ganho, quanto a educação não; e que a combinação certa de instrução e diversão foi um problema duradouro e intratável para os Vitorianos e Eduardianos como é para nós mesmos. (Vergo, 1989, p. 55)

Ainda, em outro nível, pode-se igualmente alegar que, não importa qual pode ser o objectivo dos organizadores, todas as exposições – mesmo aquelas concebidas principalmente como entretenimento – são educativas, no sentido mais amplo e mais profundo. (Vergo, 1989, p. 58-59)

 

 

– EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA OU DO MUSEU:

representa uma ampliação de nossos horizontes intelectuais, um aprofundamento e enriquecimento de nossa experiência e, consequentemente, da nossa educação. …irá ter sucesso ou falhar reforçando a experiência e tornando-se mais vivas, mais memoráveis, mais duradouras, não em termos de um padrão de ‘objectivo’ imposto de fora, mas de acordo com critérios que a exposição em si e os responsáveis por sua montagem devem propor. A conceber uma melhor metodologia para a definição de tais critérios, é certamente uma das tarefas mais urgentes da nova museologia. (Vergo, 1989, p. 55)