Estão abertas até dia 16 de novembro de 2022 as submissões para a Revista ARA 13

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Estão abertas até dia 16 de novembro de 2022 as submissões para a Revista ARA 13, cujo tema é: Tensão e Contensão, com texto de apresentação da Profa. Dra. Regina Lara Silveira Mello.

Baixe aqui o texto da  ChamadaARA13

Divulguem e participem.

 

As ruínas são o mais intenso da arte na medida em que
os múltiplos passados ​​a que se referem de forma incompleta aumentam seu enigma e exacerbam sua beleza. A originalidade do nosso mundo planetário passa por um deslocamento desse enigma, um deslocamento que alguns artistas contemporâneos perceberam.

Marc Augé, 2010 [2003]. p.99 (tradução nossa)

 

Recém saídos do momento extremo da pandemia que assolou o mundo, constatamos, entre ruínas, o que nos resta. Logo no início os que podiam permanecer isolados em suas casas, mas virtualmente conectados, discutiam benefícios improváveis como a diminuição da poluição pela ausência de carros nas ruas, circulavam imagens de paisagens outrora escondidas que ressurgiam limpas e se espalhava uma sensação de que o tempo estaria mais lento, sugerindo uma pausa para reflexão. Aos que estavam nas ruas, empurrados pela necessidade de optar entre morrer de fome ou de covid, o tempo corria bem acelerado na busca de alguma urgente proteção às necessidades básicas. A paisagem de uma grande metrópole como São Paulo, ficou repleta de pessoas em situação de extrema pobreza dormindo nas ruas, precariamente cobertos quando possível. O descompasso entre tempos e paisagens tão diversas revelaram tensões, esticaram ao máximo, ou não, as diferenças entre os homens.

A Revista ARA, em sua 13a. edição, nos convida a pensar as palavras tensão e contensão[1] nas mais diversas aparições. A percepção desse novo momento exige contenção, aponta para um grande esforço de visualização do que aparece e o que se esconde, entre o vazio que se vê como contorno e a forma, entre continente e conteúdo. Seria como se chegássemos em um mundo novo repleto de problemas antigos, observássemos o que restou e se transforma em tempo presente. O que permanece? O que será restaurado? O que será esmagado pelo esquecimento ou ficará no passado?

Conforme Marc Augé nos provoca, memória e esquecimento guardam a mesma relação com a vida e a morte; morrer faz parte da vida assim como o esquecimento é parte da memória (1998). E a morte foi assunto recorrente em tempos recentes, seja nas famílias ou no noticiário, deixou pegadas marcadas na alma das pessoas. A ideia de traços de memória para Augé remonta ao princípio da psicanálise em sua relação com o lembrar e esquecer, assim como Georges Didi-Huberman (2013) o fez, ao elaborar o conceito de sintoma, pensando a obra de Aby-Warburg. Foi, aliás, outra grande tragédia de repercussão mundial, o Holocausto, que fez Didi-Huberman refletir sobre as possíveis representações deste sofrimento, ao visitar o Museu de Auschwitz-Birkenau na Polônia, relatado no livro “Cascas“ (2017). Assim como neste ensaio poético que observa os limites da exposição destas ruínas transformadas em museu, filmes, músicas, pinturas e outras formas artísticas surgiram em função das lembranças que ainda hoje ecoam.

Em pleno século XXI, entre o excesso de informações da internet, verdadeiras ou falsas, como as famosas fake-news que muitas vezes não conseguimos conferir, vivemos numa sociedade do consumo exacerbado, do grito de muitas vozes simultâneas convivendo com o silêncio profundo dos que viram de perto as mazelas do mundo, como os soldados que voltavam quietos da guerra, pois a realidade se mostrara bem diferente do que a utopia da luta prometera, como aludiu Walter Benjamin (1994). Ainda há guerras, ainda há utopias sendo constituídas e alimentadas nos meios de comunicação; nos comovemos vendo em close nas câmaras pessoas feridas em cidades bombardeadas pela guerra na Ucrânia enquanto caminhamos em silêncio entre ruínas de nossas próprias cidades. Há um distanciamento do espaço, do território ocupado pelo mundo real e o percebido no virtual entre dispositivos, que aumenta a necessidade de imaginar para compor uma narrativa, completar o vazio entre fatos para contar a história. Segundo Augé “o que esquecemos não é a coisa em si, os acontecimentos simples e difíceis como aconteceram (a “diegese” na linguagem dos semioticistas), mas a memória”.

Quais serão as repercussões na arte contemporânea? Artistas descrevem processos de criação como uma alternância de tensões e desejos estéticos que estiram os limites expressivos com momentos de contensão, que concentram esforços. O flow, conceito desenvolvido por Mihaly Csikszentmihalyi (1998), descrito como um fluir de ideias correntes vivido pelo artista nos processos criativos, de intensa clareza mental combinada com intuição, incorporando repertórios e motivações em tempo não linear. As recordações, segundo Augé, são dispersas em traços aparentemente inofensivos que surgem de repente na mente de quem se abandona a devaneios ou se esforça por reconhecê-las, tanto ausências quanto presenças. O que se vê e pode ser tocado traz sempre a certeza do retorno, daquilo que um dia se voltaria a ver, pois existe materialmente no mundo real. E no mundo virtual, como assegurar o retorno às lembranças, se precisamos necessariamente de dispositivos específicos para acessar e recordar?

O tempo vem sendo acelerado de tal forma, sendo subdividido em minúsculas métricas e não é mais possível contá-lo mentalmente com o gesto das mãos, como nos aponta Paul Virilio (2008). Os dispositivos, porém, completamente incorporados ao nosso cotidiano, impõem constante atualização com softwares mudando de acordo com as grandes corporações que dominam a distribuição de informações. Há um risco eminente à preservação da obra de arte que utiliza meios digitais, tanto em museus quanto em coleções privadas, pois o patrimônio pode se esvair sucumbido em arquivos indecifráveis por não mais se abrirem. Uma discussão, não tão recente, tem permeado a preservação de obras que incorporam elementos gestuais e sonoros como performances e instalações interativas. Quando o artista ainda está presente entre nós, consultá-lo é uma alternativa à recriação da obra; mas restaurar com documentos de registro exige, certamente, um novo esforço de imaginação. Como preencher os vazios entre informações que reúnem tempos diversos, como decidir o que deve ser restituído ao estado original?

 Observar falésias pela corrosão que desenha espaços intrigantes, ouvir as pausas que estimulam a imaginação entre notas musicais, perceber o deslocamento possível é o convite que a Revista ARA estende aos inquietos, que desejem partilhar reflexões em artigos, resenhas de livros ou filmes, imagens deste tempo complexo em que vivemos. Venham.

Referências

AUGÉ, Marc. Las formas del olvido. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998.

AUGÉ, Marc. El tempo em ruinas. Barcelona: Editorial Gedisa, 2003.

AUGÉ, Marc. Imaginar a humanidade: para uma antropologia dos fins. Cadernos de campo, São Paulo, n. 18, p 221-232, 2009.

BENJAMIN, Walter. “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. Obras Escolhidas. v. 1.

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Creatividad: El fluir y la psicologia del descubrimiento y la invención. Buenos Aires: Paidós, 1998.

CONTENÇÃO. In.: Michaelis moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: melhoramentos. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/contens%C3%A3o/ . Acesso em: 12 set. 2022.

CONTENSÃO. In.: Michaelis moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: melhoramentos. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/contens%C3%A3o/ . Acesso em: 12 set. 2022.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Cascas. São Paulo: Editora 34, 2017.

PAOLI, Stéphane (2008). Paul Virilio: Penser la vitesse. Documentário, 90 min. La Générale de Production ARTE France.  Disponível em: https://youtu.be/-zbdiFqbTnw. Acesso em: 12 set. 2022.

 

 

[1] CONTENÇÃO [etimologia – do latim contentio] encerra dois significados:  1. Ato de contender; contenda, litígio, questão. 2. Esforço demorado, grande aplicação.

CONTENSÃO [etimologia – voc comparativo de com+tensão] apresenta sutil diferença: 1. Estado de forte concentração mental; absorção, atenção, tensão. 2. Grande esforço ou aplicação intelectual.