A Revista ARA N.5 PRORROGOU chamada até o dia 05 DE AGOSTO 2018,
Configurações: entre limites e indeterminação
será o tema da edição ARA 5 PYAU Primavera+Verão 2018,
Celso Favaretto, Professor Livre Docente da Faculdade de Educação, convida para reflexão:
Para uma crítica do nosso tempo, vale a observação: não mais, mas ainda não. Não mais os limites que a cultura moderna estabeleceu como horizonte de realização das promessas da emancipação; ainda não porque a queda das metanarrativas modernas, implica o arruinamento dos sistemas de justificação de qualquer universalidade, não permite contudo que se espere um substitutivo para um horizonte de interpretações, contudo ainda operantes, que permita orientar os modos de pensar, sentir e agir. Indeterminação, quer dizer: imersão no intolerável da experiência contemporânea, na obscuridade do presente, livre da pretensão de restauração de um tempo de promessas ou do anelo, consolador, de uma outra época do mundo suposta como de superação dos impasses do presente e dos fracassos do passado. Essa atualidade, que distanciando-se do ímpeto moderno de clareza mas também da necessidade de afastamento das seduções do presente, apresenta sintomas de transformações, evidenciados no trabalho de anamnese sobre os dispositivos modernos: acena, indicia, alude a um processo de elaboração que, por entre fatos, ideias, redes, múltiplos acontecimentos, deslocamentos e sobreposições, nos interpelam pintando uma paisagem desconhecida que é preciso decifrar e configurar.
Ao se recusar as promessas redentoras da totalidade, da teleologia dos sistemas de pensamento, enfim dos sistemas de representação, a aposta que se tem que fazer é a de não se render à tentação de preencher, de colmatar, um suposto vazio; talvez a aposta seja a de trabalhar nos interstícios, nas fissuras desta experiência difícil de configurar. Talvez se trate, na linguagem, no pensamento e na arte de assumir as coisas em sua singularidade e na forma, onde podem aparecer frestas, deslocamentos e aí descobrir, como na música, uma dicção, um timbre, uma tonalidade. Assim, ao invés dos desenvolvimentos críticos habituais, em que o que é pensado como resistência ainda vive das ilusões do sujeito, da totalidade, das promessas da razão, trata-se de explorar a resistência na forma – na linguagem, no pensamento, na arte, pois “só a forma ataca o sistema em sua própria lógica”[1]. Nesta perspectiva, criticar é jogar, desde que se enunciem as regras do jogo. Criticar, resistir, é uma aposta.Para uma crítica do nosso tempo, vale a observação: não mais, mas ainda não. Não mais os limites que a cultura moderna estabeleceu como horizonte de realização das promessas da emancipação; ainda não porque a queda das metanarrativas modernas, implica o arruinamento dos sistemas de justificação de qualquer universalidade, não permite contudo que se espere um substitutivo para um horizonte de interpretações, contudo ainda operantes, que permita orientar os modos de pensar, sentir e agir. Indeterminação, quer dizer: imersão no intolerável da experiência contemporânea, na obscuridade do presente, livre da pretensão de restauração de um tempo de promessas ou do anelo, consolador, de uma outra época do mundo suposta como de superação dos impasses do presente e dos fracassos do passado. Essa atualidade, que distanciando-se do ímpeto moderno de clareza mas também da necessidade de afastamento das seduções do presente, apresenta sintomas de transformações, evidenciados no trabalho de anamnese sobre os dispositivos modernos: acena, indicia, alude a um processo de elaboração que, por entre fatos, ideias, redes, múltiplos acontecimentos, deslocamentos e sobreposições, nos interpelam pintando uma paisagem desconhecida que é preciso decifrar e configurar.
Assim entendendo, a nossa atualidade, esta perspectiva do que pode ser o nosso contemporâneo como singular relação com o tempo, implica uma contínua e variada reflexão que incide nas descontinuidades dessa paisagem desconhecida, que aqui e ali, em surpreendentes lances articula rigor simbólico e maleabilidade de comportamentos; ideias e ações que não são suficientemente fortes para fundamentar uma prática com poder de transformação, mas que antes investem ações fundadas nas intensidades do instante e do gesto. Não mais interessada em problematizar a ideia de arte, seus processos e promessas, mas na sua materialidade propriamente reflexiva e comportamental, a questão toda agora é a da eficácia das ações. Lembrando Oiticica: “a tarefa do artista não é criar, é mudar o valor das coisas[2]. Feitas de vigor de pensamento e de paixão, estas ações muito longes de qualquer desejo de totalização da experiência, como ocorre nos cálculos das culturas de consolação – sejam aquelas apoiadas no estilo, nas maneiras de apresentação dos objetos, em que vige a estetização generalizada; sejam as que acreditam que a arte e a cultura podem salvar o mundo – não nos demitem da obrigação de construirmos nosso itinerário de salvação. Rejeitando o aceno reiterado que vem de toda parte que afirma uma espécie de unidade em que, como diz Lyotard, “todos os elementos da vida cotidiana e do pensamento encontrariam um lugar como em um todo orgânico”[3], ambas as direções aspiram à restauração de fundamentos e modos de vida. Nos dois casos a “arte” e a “cultura”, entificados, realizariam no futuro do presente essa crença no poder redentor dos sonhados limites que uma vez teriam garantido – mas embalde – a emancipação do homem de sua menoridade.
[1] Jean Baudrillard. De um fragmento ao outro. Trad. Guilherme J. de F. Teixeira. São Paulo: Zouk, 2003, p. 39.
[2] Hélio Oiticica. Experimentar o experimental (1972). Navilouca. Org. Torquato Neto e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974
[3] Jean-François Lyotard. O pós-moderno explicado às crianças. Trad. Tereza Coelho. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p. 15.
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